teologia para leigos

28 de novembro de 2012

REFORMAS E SUBSÍDIOS: COMO É?

Você disse «reduzir os encargos»?
- os salários como variável de ajustamento

As discussões sobre a competitividade das empresas sublinham a redução dos «encargos», alimentando um debate enviesado. Com efeito, patrões e governos agem como se as contribuições sociais nome verdadeiro dos ditos «encargos» fossem um pagamento indevido que desfavorece o desenvolvimento económico. Ora, as contribuições são sobretudo uma parte do salário.







«Não podemos ter continuamente encargos sociais que pesem sobre o trabalho.» Esta convicção, expressa pelo ministro socialista da Economia e Finanças, Pierre Moscovici (Le Monde, 17 de Julho de 2012), faz parte das ideias que sobrevivem incólumes à alternância política da primavera passada.

Baixar o «custo do trabalho» reduzindo os «encargos» graças a uma taxa «social» sobre o valor acrescentado (IVA) foi também a promessa do candidato da direita, Nicolas Sarcozy. Este objectivo figura igualmente com destaque na lista das condições enunciadas pelo Círculo da Indústria (uma associação de dirigentes de empresas) para «reconstruir a nossa indústria»: «Em França», afirma este último, «a parte dos encargos patronais destinada a financiar a protecção social é elevada, ao passo que a taxa paga pelos consumidores é relativamente baixa. A transferência maciça das contribuições patronais para uma outra base fiscal poderá permitir que a França convirja com a Alemanha e saia deste impasse, iniciando o esperado choque da competitividade»[1].

«Custo do trabalho» em vez de «contribuições». Trinta anos de convergência política entre a direita e a esquerda governamental banalizaram estas expressões, a visão do mundo que elas veiculam, as consequências sociais que induzem. Não é anódina uma tal metamorfose da linguagem. Tão certo como um custo reclamar a sua redução, o encargo, que «pesa» (sobre o trabalho), «esmaga» (os empresários) e «sufoca» (a criação), sugere que se proceda ao seu alijamento ou, melhor ainda, à sua exoneração.

Estas associações verbais e mentais, que os media elevam à categoria de evidências, têm acompanhado a concretização do desígnio perseguido pelos sucessivos governos: reduzir os salários em nome do emprego.

Porque a contribuição diminuída para favorecer a admissão de trabalhadores com baixos salários, jovens ou desempregados, suprimida pelos auto-empresários ou pelos comerciantes estabelecidos numa zona franca urbana, etc. é também salário: figura como tal na folha de pagamento. A contribuição é também directamente extraída da riqueza produzida na empresa; mas, diversamente do salário líquido, que entra no fim do mês na conta bancária do empregado, é cobrada pelas Caixas da Segurança Social. Que financiam os cuidados médicos e os salários dos profissionais desse sector, as pensões de reforma, as indemnizações diárias dos doentes, bem como os abonos de família e os subsídios de desemprego.

Tal como o salário directo, estabelecido na sequência de negociações colectivas por ramo de actividade e correspondente à qualificação profissional, a contribuição decorre de uma tabela estabelecida pelo Estado ou, no tocante ao subsídio de desemprego, negociada entre o patronato, os sindicatos e o governo. A indemnização diária, a taxa de reembolso dos medicamentos ou a tabela relativa aos actos médicos não constituem preços de mercado (estabelecidos pelo encontro entre a oferta e a procura); resultam de relações de forças sociais e de arbitragens políticas[2].

Em tais condições, que deveremos nós compreender quando Laurence Parisot, presidente do Movimento das Empresas de França (MEDEF), intima o governo a baixar «os encargos patronais e os encargos salariais»[3]? Qual é o projecto do ministro da Rectificação Produtiva, Arnaud Montebourg, que pretende «favorecer a redução dos encargos sociais patronais»[4]? Que propõe François Chérèque, secretário-geral da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), ao pretender «baixar o custo do trabalho transferindo uma parte dos encargos para a CSG [Contribuição Social Generalizada]»[5]? A resposta é sempre a mesma: reduzir salários. A aplicação deste projecto beneficia de um consenso político que já vem de longe.

Entre 1982, ano da «viragem do rigor» efectuada pela esquerda então no poder, e 2010, a parte dos salários (líquidos mais contribuições sociais) na riqueza produzida anualmente em França o valor acrescentado recuou oito pontos. Esta evolução resulta de uma dupla decisão política. Por um lado, durante esse período, o aumento dos salários líquidos foi muito limitado. Por outro lado, as taxas de contribuição social deixaram de subir, ao passo que as necessidades correspondentes continuaram a aumentar. O congelamento da contribuição patronal para a velhice surgiu a partir de 1979; o da contribuição patronal para a saúde, em 1984. Seguiu-se o congelamento da contribuição patronal para o desemprego, em 1993, o da contribuição salarial em meados dos anos 1990 e o da contribuição patronal para a reforma complementar (AGIRC e ARRCO) em 2001. Paralelamente, desenvolveram-se as políticas de isenção ou redução das contribuições sociais, que passaram de um montante de 1,9 mil milhões de euros em 1992 para 30,7 mil milhões em 2008[6]. É o imposto e portanto o contribuinte que compensa aquilo que a Segurança Social não recebe. Como qualquer doente, desempregado, pai ou reformado já pôde notar, semelhante evolução implica a degradação das prestações correspondentes, ou seja, a degradação do seu salário.




O resultado de tudo isto é uma transferência sem precedentes[7]. Cumulativamente, desde 1982, a deformação da partilha da riqueza fez com que passasse dos salários para os lucros o equivalente a 1,1 biliões de euros de salários brutos e 400 mil milhões de euros de contribuições patronais. O sacrifício podia ter sido justificado se tivesse alimentado o investimento, suposta promessa de criação de empregos. Mas estes 1,5 biliões de euros alimentaram sobretudo os dividendos (rendimentos líquidos distribuídos pelos accionistas) e a poupança das empresas, que entre 1982 e 2010 aumentaram, respectivamente, seis e nove pontos. No âmbito do emprego, os progressos revelam-se menos tangíveis. (…)


(..) O perigo actual decorre precisamente da vontade do governo [francês] de levar por diante a fiscalização da Segurança Social, ou seja, a passagem de um modelo baseado na contribuição para um outro assente no imposto. No plano contabilístico, estas duas opções não diferem verdadeiramente, se o volume das receitas for idêntico. O debate situa-se noutro plano: entre recursos provindos directamente da riqueza no momento da sua divisão entre lucros e salários (salário líquido mais contribuições sociais) e recursos provenientes da redistribuição, ou seja, do imposto colectado pelo Estado após a repartição entre salários e lucros.

A primeira solução fortalece o salário contra o lucro; a segunda legitima o lucro e enfraquece o salário.




Christine Jakse
Socióloga. Autora de L‘Enjeu de la cotisation social, Éditions du Croquant, Bellecombe-en-Bauges, 2012, e membro da rede popular Réseau Salariat (www.reseau-salariat.info).






[1] Les Échos, Paris, 19 de Junho de 2012.
[2] O assédio psicológico e a culpabilização moralizante (pelo simples facto de estar doente…), por parte das instâncias governamentais (ex.: hospitais, etc.), tem passado por colocar na mão do doente, à saída da instituição, o “valor de mercado” de todos os actos médicos (e não só) que ele “consumiu” (gastou), a fim de que tome consciência do peso económico que ele está a ser para a sociedade… É como se lhe esfregasse na cara a factura ou o marcasse, no braço, com uma cruz sionista! [Nota do Editor deste blog]
[3] «Laurence Parisot: “ la situation est gravissime"», Le Figaro, Paris, 14 de Outubro de 2012.
[4] «Arnauld Montebourg lie baisse des charges et investissements», Reuters, 8 de Outubro de 2012.
[5] Derek Parrot, «Chérèque défend Hollande et tacle FO et la CGT», Les Échos, 3 de Setembro de 2012.
[6] Projecto de lei de Financiamento da Segurança Social 2013, anexo 5.
[7] Ler François Ruffin, «Não há dinheiro para os salários?», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Janeiro de 2008.