teologia para leigos

29 de agosto de 2011

JOÃO PAULO II - UM PAPA DO OPUS DEI

Um Papa da Polónia: Karol Wojtyla





Em pouco tempo, o segundo conclave depara-se com uma situação completamente nova: os cardeais italianos, novamente divididos, não conseguem pôr-se de acordo a respeito de nenhum candidato italiano que pudesse ser um candidato de compromisso. Com isso, abre-se a oportunidade histórica de que possa entrar na liça um candidato não italiano! É sobretudo o cardeal de Viena, Franz König, perito em Europa oriental, e que já no anterior conclave tinha desejado, com razão, que fosse eleito um Papa não italiano, é ele quem, juntamente com os cardeais alemães, sugere o nome do arcebispo de Cracóvia, o cardeal Karol Wojtyla, o qual é finalmente eleito após oito votações e que toma o nome de João Paulo II.

Tal como estava previsto, nessa altura, eu viajo a Nova York no dia 13 de Outubro de 1978. Anunciado como «líder tão respeitado como controverso no mundo cristão», de segunda a quinta-feira (de 16 a 19 de Outubro de 1978) profiro quatro conferências em torno da questão: «Como podemos falar, hoje, de Deus?», na Riverside Church, para cerca de mil e quinhentos ouvintes inscritos no âmbito dos «Sermões nos Estados Unidos», do Fosdick Ecumenical Convocation. No fim de cada conferência recebo inúmeras perguntas para esclarecimentos, às quais, precisamente do mesmo lugar donde tive que anunciar o assassinato, dez anos antes, de Martin Luther King, respondo àquelas que me parecem as mais importantes.

A 17 de Outubro de 1978, na escadaria da Riverside Church, mesmo antes de começar a minha conferência, recebo a notícia da eleição de Karol Wojtyla como Papa. De imediato anuncio, do púlpito, que temos um papa polaco, facto que não desperta em mim nenhum sentimento pessimista. O monopólio que os italianos exerciam, desde há séculos, tinha que ser quebrado caso se quisesse propiciar, finalmente, uma reforma a sério. Também, como suíço, tenho simpatia pelo povo polaco, pelo facto de ter sido espartilhado pela Alemanha e pela União Soviética, aquando da segunda guerra mundial.

Um dos meus melhores doutorandos era de ascendência polaca, o americano Ronald Modras (doutorado em 1972 com uma tese sobre a eclesiologia de Paul Tillich) e que obteve uma cátedra na Universidade de St. Louis, precisamente onde eu receberia o meu primeiro doutoramento honoris causa. (…)


Primaz da Polónia Stefan Wyszyński
e o padre Jerzy Popiełuszko [Karol Wojtyla ao centro]




Na verdade, na imprensa diária e nas revistas polacas apareciam, com frequência, artigos críticos contra mim, regra geral escritos por conservadores. Chegam-me, também, muitas notícias preocupantes acerca da situação ainda «pré-conciliar» em que se encontra a Igreja do novo Papa. Já em 1976, uma fonte de Varsóvia bem colocada contava-me o seguinte: «Infelizmente, temos que constatar com tristeza que na Polónia a actividade que o senhor desenvolve é pouco conhecida e isso por causa da situação interna que lembra os tempos pré-conciliares. Por medo do episcopado, nenhuma das editoras católicas que temos ente nós teria coragem suficiente para publicar algum dos seus valiosos livros. Ninguém pensaria em editar ‘Ser Cristão’(…)». Mais tarde, em plena crise, depois de me ter sido retirada a licença eclesiástica para ensinar, um amigo pessoal de Wojtyla dirá com ênfase na televisão suíça, «desculpando» o Papa polaco, que podia assegurar ao povo suíço que o pontífice «ainda não tinha lido nenhum dos livros de Hans Küng…». Mas, tal como ficará bem claro depois, já tinha as ideias muito claras a meu respeito.

Não obstante, e apesar de todos os reparos, quando recebo a notícia em Nova York, acolho com sincera satisfação a eleição de Karol Wojtyla: à luz da divisão do mundo em Leste e Ocidente ainda vigente em 1978, parece-me boa ideia eleger ao menos uma vez um homem de Leste. Não é verdade que estamos sob a «cortina de ferro»? Ao mesmo tempo, por várias vias me informam que Wojtyla é bem mais aberto que o arcebispo de Varsóvia e primaz da Polónia, Stefan Wyszynski, o qual tinha criticado com acrimónia, no semanário cracoviano «Tygodnik Powszechny» (cf. vol. 1, cap. IX, «Igreja e liberdade na Polónia», in ‘Libertad Conquistada – Memorias’, Ed. Trotta, 2007, pp.547), a minha primeira conferência nos Estados Unidos sobre ‘Igreja e Liberdade’. Sem dúvida, acerca de Wojtyla também se iria enganar o cardeal König, que tão decididamente tinha apostado na sua eleição. (…)


Papa João Paulo II e D. Álvaro del Portillo, primeiro prelado da Opus Dei





Fotografias reveladoras: um Papa da Opus Dei

As primeiras fotografias que o «Osservatore Romano», na sua edição semanal em alemão, publica, logo a seguir à eleição pública (20 de Outubro de 1978), mostram o cardeal Wojtyla, de púrpura, ao lado de cardeal Joseph Höffner e do bispo de Essen, Franz Hengsbach. São de diversas conferências e colóquios celebrados entre 1972 e 1974 no Centro de Encontro Sacerdotal (CRIS) da hedionda Opus Dei, de Roma, que, desde cedo, conta com todas as atenções de simpatia de Wojtyla… em detrimento dos jesuítas, até então dominantes. Karol Wojtyla, como se verá mais adiante, fora recusado – em virtude da estreiteza da sua teologia – como doutorando na jesuítica Universidade Gregoriana pouco antes de eu ter começado, aí, os meus estudos. Apenas se sabe que terá publicado um livro na colecção da Opus Dei e que, segundo consta na Cúria romana, a Opus Dei lhe financiou uma viagem pela América Latina.

Como Papa, Wojtyla promoverá, com todos os meios ao seu dispor, esta «obra de Deus», esta organização secreta católico-fascista com traços de sectarismo surgida na Espanha franquista e da qual procedia a maioria dos ministros do último governo de Franco. É formada por leigos (alguns deles com votos de celibato) e por sacerdotes, estendendo-se por entre os poderosos da política, pelo mundo dos bancos e dos negócios, pela imprensa e pelas universidades, inicialmente em Espanha e América Latina, mas depois também na Cúria romana.




(os 'cilícios' da Opus Dei)





Dariam tudo para que fosse esquecido o concílio Vaticano II, e comprometem-se sem reservas a favor da restauração católico-romana. Os seus membros, recrutados segundo duvidosos procedimentos, são exortados a desdenhar a sexualidade, a mortificarem-se e a menosprezar as mulheres. Ao conferir-lhe, apesar de grande resistência na própria Cúria, o estatuto de «prelatura nullius», isto é, de diocese mundial independente, João Paulo II subtrai esta rigidamente organizada Opus Dei – que persegue o poder na Igreja e que, com o tempo, contará com várias centenas de milhares de amigos, patrocinadores e simpatizantes – ao controlo dos Bispos em todo o mundo. Alguns bispos e cardeais, que repudiam a Opus, acabam por se pronunciar com benevolência a seu respeito. O despótico fundador, José María Escrivá de Balaguer, que pretende purificar a Igreja, supostamente contaminada pelo concílio e reconduzi-la à «Tradição» (falece em 1975), é declarado «beato» e inclusivamente «santo» em tempo recorde, fazendo-se omissão de testemunhos críticos e saltando por cima das normas eclesiásticas… o que se torna ridículo para muitos católicos, que rejeitam a obediência cega e o sectarismo.

Sindicato 'Solidariedade', Polónia


Ao defenestrado banqueiro do Vaticano, Marcinkussobre quem recai a suspeita de ter desviado somas milionárias para o movimento sindical polaco Solidarnosk – o novo Papa nomeia-o bispo titular. Mas este papa, que pelo mundo fora prega a justiça, nada faz para esclarecer as mortes e os escândalos. Desde cedo deixa perceber que é um Papa da Opus Dei, profundamente enraizado nos «movimenti» carismáticos conservadores e com escassa formação em teologia contemporânea. Joseph Ratzinger, que nos começos manteve reservas face à Opus Dei, aceita ser investido doutor honoris causa’ pela universidade da Obra em Espanha e, maquiavelicamente, utiliza os seus serviços.








Uma segunda fotografia faz-me pensar: é uma página inteira, a cores, da revista «Quick», famosa pelas suas fotos de nus, mostrando o rosto e as mãos dum Papa profundamente mergulhado em oração, o que, mais tarde, será profusamente reproduzido pela imprensa. O próprio fotógrafo explicará em detalhe como obteve a foto. Após ter feito vários instantâneos, o próprio insiste com o Papa para que reze diante da câmara. O Papa resiste que não o pode fazer. Mas, por fim, «pelo povo», acede a ajoelhar-se e a fingir que está a rezar. Um disparo e pronto! A bela foto dá a volta ao mundo e multiplica-se em postais sem conta.



com Ronald Reagan

Temos o Papa mediático por excelência que não desaproveita nenhuma ocasião para se apresentar a si mesmo como pessoa piedosa, semelhante em muitos aspectos a quem mais tarde será eleito Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, um actor qualificado e apaixonado assumido e, assim, um «grande comunicador», cujo carisma pessoal faz esquecer a sua política reaccionária e as suas vítimas. «Wath does the United States need?» - «de que necessita os Estados Unidos?». O destacado historiador germano-estaduniense de origem judaica Fritz Stern, professor na Universidade de Columbia, que conheço das minhas viagens a Nova York, visitando Tubinga, mostra-se disposto a publicar de imediato um artigo sobre o assunto na revista «Foreign Affairs», quando, à citada pergunta, eu respondo: «The United States need an actor – os Estados Unidos precisa de um actor», um actor igual a Wojtyla, que, graças ao carisma de grande comunicador, saiba vender ao público uma doutrina e uma política reaccionárias.



com Augusto Pinochet, Chile


«Se tivesses continuado no teatro, terias sido um grande actor», alguém o disso a João Paulo II, tal como ele mesmo revela nas suas Memórias e Pensamentos.

Assim, Wojtyla, graças a um ar mais pastoral-popular que distante-hierárquico e à custa dos meios de comunicação social, que já ultrapassam fronteiras e irradiam sobre o mundo inteiro, superará em muito PIO XII, de quem o historiador da Igreja de Tubinga, Karl August Fink, dizia ser o melhor actor de entre todos os homens de Estado de todos os tempos. As aparições públicas do Papa Wojtyla, tal como as do presidente Reagan, são minuciosamente preparadas pelos media até ao mais ínfimo detalhe, como se de um filme de Hollywood se tratassem. Os discursos são escritos por alguém, que não ele. No Vaticano, de tudo se encarrega o mui sagaz chefe de imprensa, o doutor Joaquín Navarro-Valls, um homem da Opus Dei (a quem os jornalistas chamam o «doutor spin» do Vaticano, isto é, o assessor de imprensa), que sabe muito bem como «vender» o seu chefe.

Muitos telespectadores, até hoje, desconhecem que todas as cerimónias que tenham lugar no Vaticano, desde a eleição papal até ao enterro, são transmitidas pela «Televisão Italiana», a qual as vende a todas as companhias televisivas do mundo, mas que, ao mesmo tempo, só passa o que for previamente acordado com o Vaticano: informação puramente cortesã.


Hans Küng, Verdad Controvertida – Memorias, Trotta, 2009, pp. 549-554