teologia para leigos

26 de abril de 2011

O FASCÍNIO DO EXÓTICO CULTURAL NA PASTORAL


E agora?

 

Após as celebrações (da Páscoa e do 25 de Abril), regressa-se a quê?
Após um certo júbilo que dificilmente se correlaciona («Ressuscitou, Ressuscitou!!!»), após os punhos cerrados erguidos ao ar, meio impotentes, duma «cassete riscada» («25 de Abril sempre, Fascismo nunca mais!!!»), eis-nos de volta «ao deserto do real» [Slavoj ZizeK].

Todas as vezes que o futuro se fecha, a fuga empurra-nos para a mitologização do agora ou para o revivalismo do passado. E esse agora pode ser tão inebriante como o álcool dum mito pessoano, pascoaliano e sebastianista. Neste contexto, a ‘filosofia da saudade’ [Pascoaes fala até da «revelação da saudade»] pode desempenhar um papel que desperta uma certa curiosidade esperançosa. «Deu-nos, a revelação da Saudade, o conhecimento da essência espiritual da nossa Raça, na sua íntima figura extática e nas suas exteriores e activas qualidades. Logicamente nos dará também o conhecimento do seu profundo sonho secular, cada vez mais despido da originária névoa encobridora e mais alumiado nas suas formas definidas. Sabemos que a Saudade, ou a alma pátria, significa, em vida activa e sentimental, em génio popular, a eterna Renascença, a eterna aspiração humana, já celebrada nos Mistérios de Elêusis, entrevista nas éclogas de Virgílio, tentada, mais tarde, pelas artes plásticas, na Itália, e, nos tempos modernos, pelas obras de certos escritores que lhe inspiraram as feições da sua raça, como Victor Hugo, Wagner, Nietzsche e Ibsen – mas só instintivamente sentida pelos nossos poetas, incluindo o Povo.» [‘Arte de ser Português’, Teixeira de Pascoaes]

O seu exotismo, refulge, nunca como HOJE, na arte de traçar os contornos de se «ser português», fascínio comovente, possuído de um dramatismo helénico em cima da HORA: «colocar a nossa Pátria ressurgida em frente ao seu Destino». [‘Arte de ser Português’, Teixeira de Pascoaes]  E, de seguida, a  também empolgante laboração de conceitos culturais, tais como, RAÇA, HERANÇA E TRADIÇÃO, CARÁCTER OU PERSONALIDADE, e PÁTRIA.

Em tempos de crise, o exótico fascina e atrai!
A Filosofia, a Espiritualidade e a Cultura em geral, são quase irresistíveis, tão fortes que são os seus apelos.


O nosso catolicismo português de agora procura, também, o seu futuro.
Sem consciência histórica, desmemoriado, atolado num mar de propostas sedutoras, descobre  a custo, por entre um ‘nevoeiro demasiado transparente’, o isco da CULTURA (que alguém, ironicamente, já denominou de dentífrico de urgência, pepsodente branqueador de última hora…). Esbracejando dentro da nuvem, a Igreja Católica portuguesa vira as costas à radicalidade do Evangelho (1 Cor 9:22 - «fiz-me fraco com os fracos para ganhar os fracos») e procura «novas formas de expressão cultural» para aquele (velhinho) Evangelho de Jesus de Nazaré, numa linha de in-culturação, que mais não é do que a harmonização ou sintonização das formas de expressão duma certa «arte de ser católico e português» [frei Bento Domingues] com os tempos pós-modernos.

A Religião sempre se exprimiu sob formas culturais – e parece que se deu bem com isso. O casamento entre Religião e Cultura é, pois, universal e pacífico, sendo um fenómeno individualista (questão entre o homem e deus), a-histórico e a-social. O «diálogo» Fé-Razão (ou Religião e Cultura) já deu o que tinha a dar, para efeitos de Anúncio do Reino - nunca passou de um exercício intelectual racionalizador ou polemizador; nunca tocou o coração, apenas a Razão. Não se entende que seja elevado, agora, a filão evangelizante.

O Cristianismo, porém, sempre se manifestou como fenómeno contra-cultural e cordial. As relações entre o Evangelho Libertador de Jesus de Nazaré e a Cultura sempre foram tensas (vide a história do cristianismo). Até Constantino, o impulso emergente do Espírito Pentecostal abalou, primeiro, o Judaísmo e, depois, o Império romano. Mesmo depois de Constantino (séc. III), e de uma forma que considero rebaixante para a Fé no Crucificado, sobretudo a partir da identificação do cristianismo com o Império romano, ele foi arma de arremesso usada para criar clivagens irresolúveis com a cultura persa e serviu, até, para fortalecer o eurocentrismo [recorde-se o infeliz e, quem sabe, intencional 'discurso', há tempos, por parte de Bento XVI, atiçando e provocando a herança do Islão num claro confronto de 'pugilato' com a herança cristã]. Ou seja, posto ao serviço do menosprezo das igrejas orientais e usado como factor de enfrentamento dos «inimigos da fé» (os crentes do Islão), o cristianismo tornou-se apenas «parte substancial daquilo que se chama civilização ocidental» [Manuel Sotomayor e José Fernandez Ubiña], esvaindo-se do seu carácter supra-cultural, supra-nacional e ecuménico. Apesar de tudo e de todos, o Cristianismo  continua sendo um fenómeno contra-cultural.

Importa dizer que a Arte, a Natureza, a Beleza apenas indiciam Deus.
Porém, Deus, o Deus de Jesus de Nazaré (que, em boa parte, já vem de trás) não se revela na Arte, não se revela na bela e fascinante Natureza que, usualmente, nos inunda duma certa harmonia, quietude e paz (se formos capazes de esquecer e, por uns instantes, passar por cima dos seus cataclismos de horror). O Deus de Jesus Cristo revela-se apenas na História dos homens, aí onde o coração da História explode em drama de ser e querer-existir mais plenamente.O Senhor disse: «Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspectores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar da mão dos egípcios e de o fazer subir desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel (…)»”. [livro do Êxodo 3:7-8] Mais tarde, precisamenente em cima do drama do acontecimento bárbaro da morte de Jesus de Nazaré, Deus volta a revelar-se (desta vez pela boca dum pagão, um centurião romano): “Então, o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. A terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos, que estavam mortos, ressuscitaram; e, saindo dos túmulos depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos. O centurião e os que com ele guardavam Jesus, vendo o tremor de terra e o que estava a acontecer, ficaram apavorados e disseram: «Este era verdadeiramente o Filho de Deus!»”. [evangelho segundo Mateus 27:51-54]

Após as celebrações da Páscoa cristã e do 25 de Abril português, importa perguntar: e agora?

Após as viagens, depois de séculos e séculos de viagens, o cristianismo deve regressar a Casa. A Cultura é um álibi fascinante (pastoralmente falando), mas nunca converteu ninguém. [faça-se a avaliação objectiva do impacto do encontro Papal, no Centro Cultural de Belém, com as pessoas da Cultura e tentemos responder à seguinte pergunta: quantas daquelas pessoas não cristãs pediram para ser integradas em Comunidades Cristãs eucarísticas  ou pediram o Baptismo?] Ao longo dos séculos, a única coisa que a Cultura foi capaz de fazer foi: destruição de identidades, nivelamento do diferente, justificação de guerras, colonização (política e mercantil) e a fabricação de elites burguesas. Sempre que o Cristianismo foi usado como ‘arma cultural’, fragilizou-se e ficou refém da humilhação, da invasão, da exploração , da guerra, justificando a barbárie. A Globalização é o mais jovem e acabado produto do fenómeno cultura pós moderna: ele aí está, erguido sobre as suas sete patas de barbárie!, qual Grande Besta Apocalíptica. As propostas de ‘diálogo com o Mundo’ (que partem de Bento XVI e  G. Ravasi) são o que de melhor o Vaticano tem para propor como «nova evangelização da Europa». Que tem, o Evangelho de Jesus de Nazaré, a dizer-lhe? Apenas: regressemos a Casa!

E porquê ‘regressemos a casa’?
Em que consiste ‘regressar a Casa’?

[Numa outra entrada deste blog, abordamos já esta questão: a estratégia de S. Paulo no Areópago (Actos 17:16-34) e, depois, seu mea-culpa na Carta aos Coríntios (1 Cor 2)]

'Regressar a casa' consiste, apenas, em ser fiel ao Espírito do Ressuscitado. Aquele que foi bárbara e injustamente morto, Deus sentou-o à sua direita. Aquele que «passou irradiando o bem e curando a todos» de toda a espécie de mal [Actos 10:38], independentemente da sua religião, nacionalidade ou género, Esse foi reconhecido como ‘rosto de Deus’, espelho onde podemos ver a Deus.

Discurso de Pedro em casa de Cornélio – Cap. 10: 34Então, Pedro tomou a palavra e disse: «Reconheço, na verdade, que Deus não faz acepção de pessoas, 35mas que, em qualquer povo, quem o teme e põe em prática a justiça, lhe é agradável. 36Enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando-lhes a Boa-Nova da paz, por Jesus Cristo, Ele que é o Senhor de todos. 37Sabeis o que ocorreu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do baptismo que João pregou: 38como Deus ungiu com o Espírito Santo e com o poder a Jesus de Nazaré, o qual andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo mal, porque Deus estava com Ele. 39E nós somos testemunhas do que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém. A Ele, que mataram, suspendendo-o de um madeiro, 40Deus ressuscitou-o, ao terceiro dia, e permitiu-lhe manifestar-se, 41não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois da sua ressurreição dos mortos.
 42E mandou-nos pregar ao povo e confirmar que Ele é que foi constituído, por Deus, juiz dos vivos e dos mortos.
 43É dele que todos os profetas dão testemunho: quem acredita nele recebe, pelo seu nome, a remissão dos pecados.» [Bíblia da DIFUSORA BÍBLICA]

Os cristãos não têm mais nada a fazer, se não: ser testemunhas VIVAS do que Ele fez. Como? Andando de lugar em lugar fazendo o bem e libertando; reconhecendo a todos (a todas e a todos MESMO) como obra da criação de Deus [cf. At 10:15]. Depois, reunindo, para 'deitar mais azeite na lamparina' – ou seja, manter a esperança acesa. Como? REGRESSANDO A CASA - comendo a eucaristia com(ao lado de) Jesus nosso irmão, morto e ressuscitado; combatendo o desespero. Como? Recolhendo a herança de TODOS os profetas da humanidade [Gandhi, Óscar Romero, I. Ellacuria, Helder Câmara, Pedro Casaldáliga], a qual culmina no Profeta dos profetas, JESUS DE NAZARÉ, aquele que anuncia a incontável multidão dos que viveram a tribulação, passaram sua vestes pelo sangue do martírio, lavaram suas túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro – a esses Deus promete que enxugará todas as lágrimas dos seus olhos! [cf. Apocalipse 7:14]

Sem Casa, sem Comunidade Local de escala humana, sem «comunidade de gente de sangue com veias dentro» (comunidade comunicante de vida-a-palpitar, e comunicativa de vida a viver), não há pastoral (da Cultura ou outra) que resista ao tempo. 

Sem Comunidade de Partilha de Bens não há Igreja! [1 Cor 11:33 - «esperai uns pelos outros»] Sem Comunidade de Partilha de Sofrimentos, de Rostos, Sangue, Suor e Lágrimas não há Igreja! Uma Igreja de auditórios bem instalados não é a Igreja de Cristo! Uma Igreja extática, enlevada de olhos em branco, suspirosa e consolada, não é Igreja!

Uma Igreja sem o Espírito de Jesus Cristo, assassinado mas recolhido (posto a salvo, ressuscitado) por Deus, não é a Igreja dos que O «servem de noite e dia» [Ap 7:15]. Uma Igreja que não é capaz de fazer opções recusando a pastoral de massas  (cf. At 10:40-41: «Deus ressuscitou-o, ao terceiro dia, e permitiu-lhe manifestar-se, não a todo o povo, mas às testemunhas») ou que não denuncie a dominação cultural neo-liberal, não é a Igreja do Ressuscitado a partir da Cruz ! 

Uma Igreja que perca o espírito de profecia  e o do discernimento da inteligência (1 Cor 14:1.15), ou seja, uma Igreja que não interrogue e enfrente, não é Igreja!


A Cultura que Jesus cultivou foi esta: a da universal Cruz da Ressurreição! aquela que a todos salva – vítimas e verdugos. A Cultura que (também) está com os pobres para lhes incutir um pouco de esperança.

Sem uma teologia da Cruz, toda e qualquer pastoral será sempre extática ou eufórica e, mais tarde ou mais cedo, frustrará porque passará, como inevitavelmente toda a Cultura tenderá a passar. O êxtase diante duma obra de Arte será diferente de  um outro diante do Santíssimo envolto em incenso? Em si, êxtase é êxtase, e não deverá haverá diferença espiritual entre os dois. Quem entra em êxtase e repele a inteligência não edifica a Comunidade,  porque não instrui (1 Cor 14:19). Os êxtases culturais nem são religiosos, nem são laicos - são êxtases, apenas. A Fé não pode ter como suporte o extático do belo ou outro, sob pena de não «amassar comunidade» , de dispersar ou 'desordenar'  a assembleia (1 Cor 14:2.32-33) .  O êxtase 'fala em línguas', e «quem fala em línguas edifica-se a si mesmo [mas quem profetiza edifica a assembleia» (v.4)].

Sem uma teologia da Cruz, só nos vangloriamos a nós próprios; apenas alimentamos a nossa consciência burguesa, a nossa vaidade, cultivamos uma fé de 'separados', de elite farisaica!





A vida dentro da Casa de Jesus assemelha-se mais a uma “tenda de refugiados” [Ernst Käsemann], que a um auditório em êxtase, que a uma multidão pública, que a um fenómeno de massas ou a um big-face-book intimista. Nela, na «tenda» de Jesus, na Casa, a mesa-comum estará sempre posta, municiada e servida por gente frágil e simples - gente que serve em Casa que acolhe. «Gente pobre que do pouco faz muito!» [presbítero Leonel Oliveira - Porto]

Esta é a única cultura que na pastoral perdura.

25 de abril de 2011

PADRE FANHAIS - «PORQUE OS OUTROS SE MASCARAM MAS TU NÃO», ÁUDIO






Ó navegante do mar do medo
Ouve um instante o meu segredo,
Ó caminhante da noite fria
Ouve um instante minha alegria:

Ao longe longe já aparece
Uma cidade que resplandece
Ao longe longe o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém.

Virá o pobre do mundo inteiro
Há pão que sobre e sem dinheiro
Há pão e vinho em abundância
E o seu caminho é sem distância

Não tem distância esta cidade
Senão o medo que nos invade
Cantai comigo que o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém

Se o mundo cança de tanta guerra
Uma criança nasceu na terra
Um dia novo ela nos traz
Dará ao povo a flor da paz

Surgi depressa que não é cedo
Cantai comigo irmãos do medo
Cantai comigo que o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém

Hoje um menino venceu a morte
Nasceu franzino mas é Deus forte
Será chamado Emanuel
E sustentado de leite e mel

De longe chegam os povos
Vindo à procura de tempos novos
Cantai comigo que o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém

Francisco Fanhais



site de Padre Francisco Fanhais:




Porque



Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner

24 de abril de 2011

O DEUS COM QUEM NÃO FALO [FREI BETTO]


!Domingo de Aleluia!




RESSUSCITOU…
[as mulheres o confirmam, Mateus 28

O SENHOR DA MINHA FÉ

Não creio no deus dos magistrados, nem no deus dos generais, ou das orações patrióticas.


Não creio no deus dos hinos fúnebres, nem no deus das salas de audiências, ou dos prólogos das consti­tuições ou dos epílogos dos discursos eloquentes.


Não creio no deus da sorte dos ricos, nem no deus do medo dos opulentos, ou da alegria dos que roubam do povo.

Não creio no deus da paz mentirosa, nem no deus da justiça impopular, ou das venerandas tradições na­cionais.


Não creio no deus dos sermões vazios, nem no deus das saudações protocolares, ou dos matrimónios sem amor.


Não creio no deus construído à imagem e semelhança dos poderosos, nem no deus inventado para sedativo das misérias e sofrimentos dos pobres.


Não creio no deus que dorme nas paredes ou se es­conde no cofre das igrejas.


Não creio no deus dos natais comerciais, nem no deus das propagandas colo­ridas.

Não creio no deus feito de mentiras, tão frágil como o barro, nem no deus da ordem estabelecida sobre a desordem consentida.


O DEUS da minha fé nasceu numa gruta. Era judeu, foi perseguido por um rei estrangeiro, e caminhava errante pela Palestina. Fazia-se acompanhar por gente do povo; dava pão aos que tinham fome; luz aos que viviam nas trevas; liberdade aos que jaziam acorrenta­dos; paz aos que suplicavam por justiça.


O DEUS da minha fé punha o homem acima da lei e o amor no lugar das velhas tradições.


Ele não tinha uma pedra onde recostar a cabeça e confundia-se entre os pobres...


O DEUS da minha fé não é outro senão o Filho de Maria, Jesus de Nazaré.


TODOS OS DIAS ELE MORRE CRUCIFICADO PELO NOSSO EGOÍSMO.
TODOS OS DIAS ELE RESSUSCITA PELA FOR­ÇA DO NOSSO AMOR.

Frei Betto [Brasil]


(Extraído do livro Salmos Latino-Americanos)
19 de Abril de 2011

23 de abril de 2011

UMA VIDA FRUGAL ALTERNATIVA - Vídeo da Univ. Catalunha


O sentido da vida, o valor das coisas, a tua atitude diária, ‘consumidores ou pessoas?’, etc.



POR UM MUNDO DE GESTOS
[ressuscitado, positivo, para além da crise,]
ONDE SE RE-APRENDA A VIVER




Colocar, apenas, um pouco mais de azeite na lamparina


VEJA (abaixo) VÍDEO [60 min.]: Universidade Aberta da Catalunha – IN3, e, depois, junte os amigos e pergunte: o que é que está ao NOSSO alcance?


RUY BELO E O 4º CÂNTICO DO SERVO DE YAHVÉ


salvará, até, os próprios verdugos

«Por causa dos trabalhos da sua vida verá a luz. O meu servo ficará satisfeito com a experiência que teve.» [Isaías 53:11]




Encheu-lhe o regaço de dias

O senhor deus é espectador desse homem
Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe
nos olhos o tempo suave das árvores
Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma
cada uma das quatro estações
A primavera veio e ele árvore singular
à beira do tempo plantada
vestiu-se de palavras
E foi a folha verde que deus passou
pela terra desolada e ressequida
Quando as palavras o deixaram de cobrir
ficaram-lhe dois dos olhos por onde
o senhor olha finitamente a sua obra
Até que as chuvas lhe molharam os olhos
e deles saíram rios que foram desaguar
ao grande mar do princípio


Ruy Belo [1933-1978]
(título manipulado)
“A MULTIPLICAÇÃO DO CEDRO” é o verdadeiro nome deste poema
[foto pb: Vitral da Igreja da Reconciliação, TAIZÉ, 2008]

Sugestão: tendo por base o 4º Cântico do Servo [Is 52:13-15.53:1-12] e o poema, 'laico', de Ruy Belo, meditar sobre 'O Sofrimento e a necessidade de bodes expiatórios'; procurar tirar conclusões, procurar entender o v.11 e procurar fazer dele um projecto de gestos concretos. 





21 de abril de 2011

COMO PREPARAR AS CELEBRAÇÕES DA PÁSCOA?


Páscoa à vista!


 Passadas as efervescentes brincadeiras do Carnaval, nossos olhos se voltam para o Oriente, porque daqui a uns 40 dias, vai renascer o Sol da Justiça. É a festa das festas que vem aí: a Festa da PÁSCOA!

A palavra “páscoa”, de origem hebraica, é irmã da portuguesa “passagem”. E páscoa quer dizer “a passagem de Deus”! Sim, porque Deus passa, está sempre passando na história da Humanidade, na vida da gente... Mas a gente não se dá conta. Foi preciso, então, que Deus passasse de maneira espectacular, escandalosa até, para que, pelo menos uma porção de gente se tocasse.

E foi assim:
JESUS DE NAZARÉ, um carpinteiro, que, mais de 2000 anos atrás, nascera de um casal pobre e vivera num lugarejo do interior da Palestina, aos 30 anos de idade, começou a anunciar o Reino de Deus! Para pertencer a este Reino, as pessoas precisavam mudar de vida:


1.quem tinha conhecimentos, devia partilhar com os desinformados...
2.quem tinha dinheiro, devia repartir com os necessitados...
3.quem tinha poder, devia colocar-se a serviço dos excluídos...

Era como se o mundo tivesse que virar de cabeça para baixo! Uma revolução, sim, mas que deveria começar no coração de cada um, de cada uma. Para os pobres, era uma BOA NOTÍCIA,  aquilo que eles mais gostariam de ver acontecer. E é isso que quer dizer “evangelho”, palavra grega, sinônimo de “boa nova”, boa novidade. Mas para os ricos era subversão, perturbação da ordem, ou, como muita gente hoje em dia ainda diz, isso era “comunismo”!
Até os pobres, iludidos pela conversa mole dos ricos e poderosos, foram na onda deles e ficaram contra Jesus. Só sei que, por conta dessa história, Jesus terminou preso, foi condenado e morreu crucificado entre dois marginais. Mas, quando os poderosos menos imaginavam, os poucos seguidores de Jesus de Nazaré foram perdendo o medo e fizeram o maior reboliço na cidade: saíram anunciando que Deus havia ressuscitado seu Mestre! Jesus vivia, isto é, Deus deu razão a ele! Ele morreu pela causa do povo, sobretudo dos pobres, seu sangue foi derramado para que uma nova Humanidade começasse a se organizar, os entendidos se colocassem a serviço dos sem instrução, os ricos se colocassem a serviço dos empobrecidos, os poderosos se colocassem a serviço do povo, e todos se juntassem numa grande irmandade, uma família de irmãos e irmãs, simples como as crianças. E como a causa pela qual Jesus morrera era justamente a causa de Deus, o que Deus mais queria que acontecesse, por esse motivo, Deus passou no túmulo onde Jesus foi sepultado, e o arrancou do poder da morte.

Deus aprovou a vida e a mensagem de Jesus!
Portanto, pregavam seus discípulos, está na hora de aceitar sua mensagem libertadora, de fazer parte do Reino por ele anunciado... Chegou o momento de cada um, de cada uma, deixar Deus passar na sua vida.

PÁSCOA é isso: Deus passando na história de Jesus de Nazaré, e o reconhecendo como seu Filho! Deus querendo passar na vida de cada um da gente, na medida em que a gente entrar na jogada de Jesus, e se tornar assim um filho, uma filha de Deus. Só sei que, quem ia acreditando em Jesus, através da mensagem dos discípulos, tomava um banho, para mostrar que estava começando uma vida nova, limpa de todas as maldades e sujeiras. E esse banho passou a chamar-se de Batismo. Os discípulos (seguidores), agora chamados “apóstolos”, quer dizer “enviados”, colocavam as mãos sobre a cabeça dos que se “batizavam” e eles e elas recebiam uma nova energia, um espírito novo, que chamavam de ESPÍRITO SANTO!
Na força dessa nova energia, é que o pessoal continuava se reunindo, escutando a mensagem dos Apóstolos sobre Jesus, repartindo, entre todos, os seus bens, de tal forma que ninguém passava necessidade entre eles e elas. E esse ajuntamento de gente, convocada pela Palavra de Deus, chamou-se de IGREJA.
 O que mais chamava a atenção do povo era a alegria com que eles comiam a Ceia do Pão e do Vinho, em memória de Jesus: era o jeito de eles se sentirem em comunhão  de vida com seu Mestre.
Era como se o corpo de Jesus passasse a se manifestar na carne deles e delas... Era como se o sangue de Jesus passasse a correr nas veias deles e delas...

Era Jesus que passava a viver neles e nelas..
Era o Reino de Deus que começava a acontecer “assim na terra como céu!”
E essa Igreja era, assim, o ensaio, a amostra de um MUNDO NOVO!




É por causa dessa história, que os cristãos e cristãs de todos os tempos, todo ano, a certa altura do mês de Abril, celebram a Festa da Páscoa. 

Valeria a pena a gente pensar numa “Festa da Páscoa” entre nós aqui?... Que sentido teria?... Apenas recordar o que aconteceu há mais de 2000 anos atrás?... Será que a Páscoa, de alguma maneira, estará acontecendo na vida da gente, hoje, aqui e agora, e, por isso, vale a pena celebrá-la?...

 Talvez seja questão de ter olhos de ver, olhos capazes de enxergar Deus passando na vida de cada um, de cada uma da gente... na vida do povo...


-      Quando alguém de nós sai da solidão, do isolamento, e tem oportunidade de se encontrar com outras pessoas, de conversar suas coisas, de sentir-se escutado(a), levado(a) em conta... de poder descobrir seus valores e suas potencialidades... começa a gostar de si mesmo(a), a gostar da vida, a levantar a cabeça, a encantar-se com o que é belo, a querer o que é bom, a sonhar com um mundo diferente, de amor, alegria e felicidade... Não é como se nascesse de novo?...


-       Quando a gente tem oportunidade de partilhar ideias, sugestões e iniciativas entre a gente... de brincar e jogar juntos... de aprender coisas juntos... de cantar, tocar e dançar juntos, de praticar algum tipo de arte ou desporto... de organizar passeios e festas... superando, aos poucos, o individualismo ou a desesperança... dando uma finalidade construtiva à própria agressividade... canalizando suas energias para o que nos dignifica como seres humanos e nos faz felizes ... desenvolvendo um novo jeito de conviver, crescendo em amizade e companheirismo... não é uma nova convivência que está desabrochando?...


-       Quando a gente tem oportunidade de conhecer a história e as tradições do povo da gente, as riquezas e belezas do folclore, as coisa bonitas que o povo do bairro faz, o jeito característico  do povo desta cidade viver e festejar... e vai trocando as coisas que vêm de fora pelas coisas nossas... e vai começando a gostar da nossa música de raiz... e vai passando a preferir um suco das nossas frutas a coca-cola, uma comida tradicional da gente a um mac-burger qualquer... e por aí vai crescendo no amor a esta cidade, a começar pelo seu bairro... Não é isso uma  identidade perdida que está se resgatando?...


-       Quando a gente tem oportunidade de encarar o seu ambiente de vida, com novas informações e inquietações sobre higiene, limpeza pública, reciclagem de lixo, importância do verde, da mata, do mangue, da água, do ar, do silêncio, da preservação ambiental... e começa a tomar cuidados e iniciativas  em casa, na escola ou quando vai pela rua...  e começa a preocupar-se com arborização e jardinagem... com reciclagem de plástico e papel, com coleta seletiva... com a limpeza das canaletas e canais... com o volume do som das radiolas e televisões... com tudo quanto incomoda e prejudica o ambiente em que se vive... e passa a ser multiplicador(a) de uma nova mentalidade a respeito dessas coisas no dia-a-dia das pessoas... Não é isso um mundo diferente que está surgindo?...


-       Quando a gente tem oportunidade de perceber que a cidade é feita por todos os que nela habitam... que ser cidadão, cidadã, é querer bem a seu pedaço e se responsabilizar por ele, para que seja o melhor lugar do mundo, a cidade mais bonita e feliz... onde todos, de mãos dadas, vivem num mutirão sem fim, cuidando de tudo, para que tudo dê certo, para o bem de todos... onde o prazer maior é poder, no fim de semana, festejar com canto e dança a fraternidade cidadã exercida ao longo de toda a semana... Não é isso um mundo novo que está despontando?...


Páscoa em Taizé_2008


Para quem tem olhos de ver, é por aí, quem sabe, que Deus está passando, nos arrancando da morte para a Vida... é por aí que o Sangue de Jesus está circulando e o Espírito de Deus está soprando e tudo vai se transformando nos indivíduos e na sociedade, e a Páscoa vai acontecendo e o mundo se salvando.

Se for assim, se assim estiver sendo, será que não vale a pena celebrar a Páscoa, a passagem de Deus em nossas vidas, na vida da gente e do povo?... 


E agora José, e agora Maria, como vamos fazer para que nossos Grupos, Movimentos, Organizações e Comunidades cheguem à gostosa descoberta deste “Mistério” maravilhoso que se esconde em suas vidas, mas que precisa se manifestar aos olhos deles e delas, aos olhos de todos?...

Como fazer para que esta descoberta se  torne motivo de festa e desencadeie toda uma criatividade, no sentido de todos se darem as mãos na preparação de um evento capaz de fazer brilhar esta vida nova, este mundo novo, que está acontecendo no dia-a-dia da gente e do povo, como Festa da Vida, como um grande louvor ao Deus da Vida que, assim como passou na história de Jesus, está passando nas histórias bonitas da gente, hoje, aqui e agora?...

A Páscoa está à vista!
Como vamos fazer?
Feliz Páscoa!


Reginaldo Veloso

[fotos: (1) do site de Taizé; (2) e (3) pb - Taizé, 2008]

20 de abril de 2011

 VEJA AQUI SUGESTÕES DE CANTOS.

Reginaldo Veloso,
Presbítero das CEBs
Morro da Conceição – Recife – PE

Confira também:

PÁSCOA - O DUELO ENTRE AS FORÇAS DA VIDA E AS FORÇAS DA MORTE


O duelo entre a vida e a morte




 Num dos mais belos hinos da liturgia cristã da Páscoa, que nos vem do século XIII, se canta que "a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto mas eis que agora reina vivo". É o sentido cristão da Páscoa: a inversão dos termos do embate. O que parecia derrota era, na verdade, uma estratégia para vencer o vencedor, quer dizer a morte. Por isso, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Ressuscitado, garantiu a supremacia da vida.

A mensagem vem do campo religioso que se inscreve no humano mais profundo, mas seu significado não se restringe a ele. Ganha uma relevância universal, especialmente, nos dias actuais, em que se trava física e realmente um duelo entre a vida e a morte. Esse duelo se realiza em todas as frentes e tem como campo de batalha o planeta inteiro, envolvendo toda a comunidade de vida e toda a humanidade.

Isso ocorre porque, tardiamente, nos estamos dando conta que o estilo de vida que escolhemos nos últimos séculos, implica uma verdadeira guerra total contra a Terra. No afã de buscar riqueza, aumentar o consumo indiscriminado (63% do PIB norte-americano é constituído pelo consumo que se transformou numa real cultura consumista) estão sendo pilhados todos os recursos e serviços possíveis da Mãe Terra.

Nos últimos tempos, cresceu a consciência colectiva de que se está travando um verdadeiro duelo entre os mecanismo naturais da vida e os mecanismos artificiais de morte excretados por nosso sistema de habitar, produzir, consumir e tratar os dejectos. As primeiras vítimas desta guerra total são os próprios seres humanos. Grande parte vive com insuficiência de meios de vida, favelizada e super explorada em sua força de trabalho. O que de sofrimento, frustração e humilhação aí se esconde é inenarrável. Vivemos tempos de nova barbárie, denunciada por vários pensadores mundiais, como recentemente por Tsvetan Todorov em seu livro O medo dos bárbaros (2008). Estas realidades que realmente contam porque nos fazem humanos ou cruéis, não entram nos cálculos dos lucros de nenhuma empresa e não são considerados pelo PIB dos países, à excepção do Butão que estabeleceu o Índice de Felicidade Interna de seu povo. As outras vítimas são todos os ecossistemas, a biodiversidade e o planeta Terra como um todo.

Recentemente, o prémio Nobel em economia, Paul Krugmann, revelava que 400 famílias norte-americanas detinham sozinhas mais renda que 46% da população trabalhadora estadunidense. Esta riqueza não cai do céu. É feita através de estratégias de acumulação que incluem trapaças, super especulação financeira e roubo puro e simples do fruto do trabalho de milhões.

Para o sistema vigente, e devemos dizê-lo com todas as letras, a acumulação ilimitada de ganhos é tida como inteligência, a rapinagem de recursos públicos e naturais como destreza, a fraude como habilidade, a corrupção como sagacidade e a exploração desenfreada como sabedoria-de-gestão. É o triunfo da morte. Será que nesse duelo ela levará a melhor?




O que podemos dizer com toda a certeza é que nessa guerra não temos nenhuma chance de ganhar à Terra. Ela existiu sem nós e pode continuar sem nós. Nós sim precisamos dela. O sistema dentro do qual vivemos é de uma espantosa irracionalidade, própria de seres realmente dementes.

Analistas da pegada ecológica global da Terra, devido à conjunção das muitas crises existentes, nos advertem que poderemos conhecer, para tempos não muito distantes, tragédias ecológico-humanitárias de extrema gravidade.

É neste contexto sombrio que cabe actualizar e escutar a mensagem da Páscoa. Possivelmente não escaparemos de uma dolorosa sexta-feira santa. Mas depois virá a ressurreição. A Terra e a Humanidade ainda viverão.

Leonardo Boff

Quinta-feira Santa, 21 de Abril de 2011
CEBI - Centro de Estudos Bíblicos
www.cebi.org.br

[fotos pb: Comunidade Ecuménica de Taizé, 2008]