teologia para leigos

22 de dezembro de 2010

2/2 GOLDEN BOYS - «O GOVERNO DOS BANCOS»

«O GOVERNO DOS BANCOS»_2

POLÍTICA E DINHEIRO – O TRIUNFO DA OLIGARQUIA

103 «Cafés de trabalho» no quarto de Lincoln…
- a grande insónia!


[No mês seguinte a ter abandonado a Casa Branca, Bill Clinton ganhou mais dinheiro do que havia ganho durante os 53 anos de vida… transferindo-se do público para o privado]

Mas a passagem do público para o privado não se explica apenas pela exigência de passar a ser membro vitalício da oligarquia. A empresa privada, as instituições financeiras internacionais e as organizações não governamentais ligadas às multinacionais tornaram-se, por vezes mais do que o Estado, lugares de poder e de hegemonia intelectual. Em França, o prestígio do sector financeiro e o desejo de construir um futuro dourado desviaram muitos antigos alunos da Escola Nacional de Administração (ENA), da Escola Normal Superior ou do Politécnico da sua vocação de servidores do bem público. Alain Juppé, antigo membro das duas escolas e antigo primeiro-ministro confidenciou ter sentido uma tentação semelhante: «Ficámos todos fascinados, incluindo, perdão, a comunicação social. Os «golden boys», aquilo era extraordinário! Estes jovens que chegavam a Londres e que estavam ali à frente das máquinas a transferir milhares de milhões de dólares em apenas alguns instantes, que ganhavam centenas de milhões de euros todos os meses, toda a gente estava fascinada! (…) Não seria completamente honesto se negasse que até eu, de vez em quando, dizia a mim mesmo: Ora, se eu tivesse feito aquilo, talvez hoje estivesse numa situação diferente».[1]

Em contrapartida, Yves Galland, antigo ministro francês do comércio que se tornou presidente da Boeing France, uma empresa concorrente da Airbus, nem balançou. O mesmo pode ser dito de Clara Gaymard, mulher de Hervé Gaymard, antigo ministro da Economia, Finanças e Indústria, que depois de ter sido funcionária pública em Bercy, e a seguir embaixadora itinerante delegada para os investimentos internacionais, se tornou presidente da General Electric France. Também Christine Albanel, que durante três anos ocupou o Ministério da Cultura e da Comunicação, está de consciência tranquila. Desde Abril de 2010, continua a dirigir a comunidade… mas agora da France Télécom.

Metade dos antigos senadores americanos torna-se lobista, muitas vezes ao serviço das empresas que regulamentaram. Foi o que aconteceu também com 283 ex-membros da administração Clinton e 310 antigos elementos da administração Bush. Nos Estados Unidos, o volume de negócios anual dos grupos de pressão deve aproximar-se dos 8 mil milhões de dólares por ano. É uma soma enorme, mas com um rendimento excepcional! Em 2003, por exemplo, as taxas de tributação dos lucros realizados no estrangeiro pelo Citigroup, o JP Morgan Chase, o Morgan Stanley e o Merril Lynch caiu de 35% para 5,25%. Factura da acção dos lóbis: 8,5 milhões de dólares. Vantagem fiscal: 2 mil milhões de dólares. Nome da disposição em questão: «Lei da Criação de Empregos Americanos»[2]O interesse geral – está tudo dito.

Esta atracção pelas «empresas» (e respectivas remunerações) não deixou de fazer estragos à esquerda. «Uma alta burguesia renovou-se», explicava em 2006 François Hollande, então primeiro secretário do partido Socialista francês, «na altura em que a esquerda estava a assumir responsabilidades, em 1981. (…) Foi o aparelho de Estado que forneceu ao capitalismo os seus novos dirigentes. (…) Vindos de uma cultura de serviço público, acederam ao estatuto de novos-ricos, falando como donos e senhores aos políticos que os haviam nomeado»[3]. E a seguir foram tentados a segui-los.

O mal causado não lhes pareceu tão grande assim porque, através dos fundos de pensões e dos investimentos, uma parte crescente da população associou o seu futuro, por vezes sem o querer, ao futuro do sector financeiro. Doravante pode, portanto, defender-se os bancos e a Bolsa fingindo preocupação com a viúva arruinada, com o empregado que comprou acções para completar o salário ou garantir a aposentação. Em 2004, o antigo presidente George W. Bush encostou a campanha da sua reeleição a esta «classe de investidores». O Wall Street Journal explicava: «Quanto mais os eleitores são accionistas, mais apoiam as políticas económicas liberais associadas aos republicanos. (…) 58% dos americanos têm um investimento directo ou indirecto nos mercados financeiros, contra 44% há seis anos. Ora, a todos os níveis de rendimentos, os investidores directos são mais susceptíveis de se declararem republicanos do que os não-investidores»[4]. Percebe-se que Bush tenha sonhado privatizar as aposentações.

«Subjugados ao sector financeiro desde há duas décadas, os governos só se virarão por si próprios contra ele se este sector o agredir directamente de tal forma que lhes pareça intolerável», anunciou em Maio o economista Frédéric Lordon[5]. O alcance das medidas que a Alemanha, a França, os Estados Unidos e o G20 venham a tomar nas próximas semanas contra a especulação irá dizer-nos se a humilhação quotidiana que «os mercados» infligem aos Estados e a fúria popular que o cinismo dos bancos suscita terão despertado nos governos, cansados de serem tomados por criados, a pouca dignidade que lhes resta.

SERGE HALIMI, Le Monde Diplomatique – edição em português, Junho 2010, p.9; [segunda e última parte]


[1] «Parlons Net», France Info, 27 de Março de 2009.
[2] Dan Eggen, «Lobbying Pays», The Washington Post, 12 de Abril de 2009.
[3] François Hollande, Devoirs de vérité, Stock, Paris, 2006, pp. 159-161.
[4] Cláudia Deane e Dan Balz, «”Investor Class” Gains Political Clout», The Washington Post, 12 de Abril de 2009.
[5] La pompe à Phynance, http://blog.mondediplo.net, 7 de Maio de 2010.